Você já se perguntou como se constitui a criação cultural do Distrito Federal? Quais são as influências, os desafios e as perspectivas dos brasilienses em relação a essa pauta? Como os artistas da região produzem e contribuem, por meio da arte, diretamente para a cultura da cidade? Sim? Nós também! Acreditando que a cidade é fruto da participação de milhares de pessoas e de suas identidades, buscamos com o Café FAC desse semestre oportunizar um conhecimento mais profundo da história e da cultura do Distrito Federal. 

Como forma de fomentar ainda mais o debate sobre qual é ou quais são de fato as identidades do DF, promovemos na última quarta-feira (29), no Estúdio A da Faculdade de Comunicação na Universidade de Brasília, o evento “Expresso Cabeças”, inspirado pelo icônico Concerto Cabeças de 1978. Nossa ação do Café FAC teve como proposta reunir grandes artistas do DF para debater sobre essas pautas.

 

 

Das 19h às 21h, o público foi agraciado com um bate-papo incrível sobre a produção cultural e musical do Distrito Federal. Anapolino e Clodo do Matuskela, Breno Alves do 7 na roda, e João Ferreira e Kiko Peres da banda Natiruts compartilharam suas histórias, suas inspirações e suas visões sobre a cultura do quadradinho, além disso encantaram a todos ao darem uma prévia de algumas de suas canções. Ficou curioso? Então continue lendo e confira os melhores momentos do “Expresso Cabeças”!

 

Breno Alves do 7 na Roda:

O evento “Expresso Cabeças” iniciou com uma entrevista incrível de Breno Alves, jornalista e músico do grupo 7 na Roda, que contou um pouco da sua trajetória artística e da sua relação com o samba. Breno falou sobre como se interessou pelo gênero na adolescência, quando ouviu Cartola na rádio, e como se aprofundou na sua ancestralidade e na história do Brasil para entender a origem e a importância do samba. Ele também comentou sobre as dificuldades que enfrentou para concluir a faculdade de jornalismo e para pesquisar sobre o samba em Brasília, uma cidade nova e com pouca documentação sobre o tema. 

“Para gostar de samba, tive que me aprofundar na minha ancestralidade e na história do Brasil.” (Breno Alves)

Breno destacou o papel do Calaf durante a década de 2000 a 2010, uma das casas que ajudaram a formar público e a divulgar o samba na capital federal, e compartilhou suas perspectivas otimistas para o futuro do gênero na cidade, onde ele escolheu permanecer e contribuir com um legado singular. A entrevista foi repleta de informações, insights e curiosidades sobre as raízes do samba e do choro na capital, assim como um reconhecimento para a cena adaptativa do gênero no território.

"O fato de Brasília ser uma cidade nova, comparada com as restantes, nos dá a oportunidade de criar uma nova história e um novo legado. Por mais que os outros eixos, do Rio e São Paulo, sejam grandiosos, ficar em Brasília dá abertura para contribuir com algo diferente e singular." (Breno Alves)

 

Anapolino e Clodo (Matuskela):

A segunda parte do evento “Expresso Cabeças” foi uma entrevista incrível com Anapolino e Clodo, dois músicos e compositores que fizeram parte da banda Matuskela, uma das pioneiras do rock em Brasília. Eles falaram sobre como começaram a tocar covers dos Beatles e de Creedence, mas depois buscaram uma identidade própria, misturando o rock com o MPB e as influências nordestinas, se identificando com o gênero folk psicodélico, citando os Mutantes, os Beatles e o movimento da Tropicália como suas referências. 

Eles também contaram sobre os desafios que enfrentaram na época da ditadura militar, quando havia censura e repressão, e compararam com os problemas atuais, como a falta de liberdade criativa imposta pela indústria musical. 

"Hoje os músicos são reféns da indústria. É preciso agradar a produtora e os empresários, cantar para um público pré determinado" Anapolino (Lino)

Eles elogiaram a riqueza e a capacidade artística de Brasília, que sempre teve artistas nacionais. Também relembraram o sucesso da canção “A Idade do Louco (Velho Demais)”, que foi trilha sonora da novela “Sem Lenço e Sem Documento” da TV Globo. Aprofundando nessa questão, comentaram sobre a origem dos músicos que gravaram a música, contemplando a diversidade dos artistas do entorno que fugiam da restrição à música clássica, a única que era ensinada na escola de música de Brasília. 

"Os músicos que gravaram o tema para a novela eram todos de Taguatinga. Na periferia sempre houveram grandes músicos que queriam se aventurar em fazer coisas novas e ainda hoje tenho certeza que isso permanece." (Anapolino, Lino)

A entrevista foi uma verdadeira aula de história e de cultura, que mostrou a trajetória e a importância do Matuskela para a música de Brasília e do país. Ao final, Clodo cantou um trecho de uma de suas composições “Revelação”, interpretada por Fagner, se consagrando como esse artista que - com mais de cem canções gravadas por grandes intérpretes da música popular brasileira - carrega de fato a identidade do DF consigo.

 

Kiko Peres e João Ferreira (Natiruts)

 

Os músicos Kiko Peres e João Ferreira da banda Natiruts - uma das maiores referências do reggae brasileiro - foram os últimos entrevistados da noite e contaram um pouco da história, das influências e dos desafios da banda que nasceu em Brasília nos anos 90. 

Contando sobre o período de consolidação da banda, houveram muitas inspirações sendo as principais Bob Marley e Djavan, e no processo de se tornarem artistas reconhecidos, incluíram na pauta algumas dinâmicas de produção musical da época. Comentaram sobre a importância do investimento de políticas de apoio à cultura, como o Fundo de Apoio à Cultura (FAC) para oportunizar a produção e distribuição de artistas locais. 

 

O primeiro álbum “Nativus” (1997), foi lançado com um show na rampa acústica e gravado de maneira independente. Vendendo muito bem na cidade, foi assim que as gravadoras começaram a notar a banda.

 

“Os representantes de gravadoras chegavam em lojas de discos, e os próprios proprietários alertavam sobre artistas que estavam vendendo bem. Em uma dessas, comentaram sobre a gente para alguns representantes." (Kiko Peres)

Na segunda parte da conversa, Kiko e João adentraram mais nas características e escolhas  musicais da banda e do como ela se diferencia não somente no cenário nacional como também no internacional. Kiko comentou que em festivais internacionais, quando o Natiruts tocava, o uso incomum do violão na composição dava uma dimensão muito característica a um tipo de sonoridade que ficou conhecida fora do país como o “Reggae Brasileiro”.

 

"Natiruts acabou vindo com a concretização do "Reggae brasileiro", usávamos muito o violão e isso fortaleceu muito a identidade da banda pra fora, ficou muito característico." (João Ferreira)

Eles também explicaram por que continuam morando em Brasília, apesar de terem tocado em todo o Brasil. Para eles, a cidade apresenta um estilo de vida ideal para que a banda continue se mantendo. Além das memórias afetivas, a cidade apresenta possibilidades aéreas que não os restringe de transitar pelo país e permanecer na capital. 

 

O Expresso Cabeças, assim como todo bom momento de pausa para um café, se encerrou com um gostinho de quero mais - no melhor sentido da expressão. Apenas por reunir tantos artistas tão significativos, que carregam trajetórias tão importantes, já faria com que o evento fosse considerado um sucesso. Mas para além disso, todas as trocas feitas ali resultaram em uma rica construção de como foi, está e como pode ser o cenário cultural brasiliense, com momentos que emocionaram e causaram um impacto nos presentes. 

Pode-se afirmar que o principal aprendizado  do evento foi entender que valorizar a cultura local não significa rejeitar influências externas, mas sim integrá-las em um caldeirão cultural enriquecedor. Um evento como o Expresso Cabeças é fundamental para a preservação e valorização da cultura do quadradinho. Quando os convidados relatam como foi sua trajetória para chegar no patamar onde estão, fica claro como é importante manter vivas as raízes e a identidade da nossa comunidade, pois é isso que torna o Distrito Federal uma região tão única e autêntica. 

Nós do Café FAC, agradecemos a todos os envolvidos. Além de ter sido um prazer realizar um evento significativo como esse, foi muito gratificante proporcionar esse momento para todos os que estiveram presente e acompanharam a nossa jornada. Esperamos vocês nos próximos que virão e os convidamos para que continuem acompanhando nossos canais. Somente ao reconhecermos o valor típico da nossa cultura local e ao apreciarmos os diversos artistas que emergiram daqui, é que podemos construir uma identidade do DF rica e inclusiva, consciente do seu passado e do seu futuro.